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  • Marcos Sarvat

2017 - Mal da Medicina

Pacientes, por natureza, sofrem. Da moléstia, de falta de informação, de carência de recursos e de acesso a um sistema eficaz. E os médicos, por natureza, se (co)movem para tratar disso. Ou deveriam.


A Medicina evolui, mas sua organização, autocrítica e ética estão afetadas no setor privado por uma doença infiltrante que distorce os princípios que a deveriam reger.


No Estado do Rio, 30% da população (50% na capital) tentam se proteger das mazelas do SUS pagando a mais; porém, descobrem que “não é bem assim”. Afinal, há que superar restrições dos planos de saúde, que se revelam mais no momento em que estejam fragilizados, necessitando de acolhimento — e não de cláusulas obtusas.


Quem já precisou de diagnóstico e tratamento conhece bem. Mas há algo mais insidioso e perverso — e que corrói a estrutura da profissão e ameaça tornar inviáveis ou “pouco competitivos” os que primam pela competência, honestidade e simpatia.


Ao contrário, prosperam nulidades dedicadas à má gestão, à distorção do encaminhamento da clientela e ao criar de normas — que visam privilegiar alguns tantos e impedir o direito de escolha. E o cooperativismo se esfacela discriminando profissionais que têm seu patrimônio ameaçado por desfalques bilionários e ações de gestores inescrupulosos.


Os médicos mais livres e plenos superam ou rejeitam o credenciamento, que traz consigo a imposição de honorários uniformes e baixos, e mais a humilhação sistemática, origem da figura do “médico de convênio”. E o profissional “vítima de abuso” retruca com o “paciente de convênio”.


Tudo errado, mas é o mercado, dirão. Aceite ou feche o consultório!? Na verdade, os convênios todos subvalorizam ou escravizam bons profissionais e se tornam “interessantes” especialmente para os menos escrupulosos ou mais focados no retorno financeiro. Os honorários para alguns prósperos são irrelevantes, o que de fato os interessa é o “por fora” da prótese, numa deterioração notória, que contamina tudo e mereceria uma Lava-Jato. Mas não há fiscalização. E o paciente, óbvio, não deve confiar nesse médico que indica procedimentos, não porque sejam os indicados, mas porque “talvez apenas” receba propina!?


Outra questão é como avaliar resultados. Parece lógico, mas os pacientes mais graves passariam a ser prejudiciais ao índice de desempenho, o que inocula uma mensagem: não arrisque seu nome para salvar uma vida, foque no que for mais simples e, como simpático efeito colateral, poupe recursos da operadora.


Há que se pesar, de modo ético, isento e responsável, evidências científicas e bom senso, e resistir à tentação de participar do fluxo financeiro. O médico deve se restringir a seus honorários, devidos por sua dedicação ao paciente. O que soa tarefa difícil, mas um tanto impossível, em se tolerando a perversidade e a perversão da intermediação.


Marcos Sarvat é médico e professor da UniRio


Fonte: O Globo - 05/01/2017

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