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  • Marcos Sarvat

2021 - Que olhar você deseja receber?

Fonte: O Globo


Vivemos em sociedade, e por mais que tentemos ser autônomos, dependemos uns dos outros. Não apenas fisicamente, por produtos e serviços, mas mental e emocionalmente. De certa forma, somos para o mundo o que pensam de nós. A opinião dos outros sobre a nossa pessoa prevalece sobre o que gostaríamos que nos caracterizasse. Autoconfiança pode ser interpretada como arrogância, busca de justiça como radicalismo, e assim por diante. Em suma, raramente motivação e intenção correspondem ao efeito.


E, sendo realista, o que importa mesmo é o resultado da comunicação, o conceito na cabeça dos outros. Considerando que autenticidade absoluta é utopia, os mestres do marketing há muito agem instintivamente, e agora, com a tecnologia de informação, para identificar tendências, desejos e expectativas e criar ou adequar ideias, produtos e pessoas para atendê-los.


Assim, imagens públicas são produzidas e gerenciadas, e tudo soa à conveniente representação teatral. Iniciativas, apoio a causas e opções de consumo são programadas para agradar a seus seguidores. Controvérsias, divergências e contestações são inconvenientes, e ameaçam a fiel conexão. Cuidado com o que fala, condenação à espreita!


Ondas de pensamento dominante surgem definidas desde o início como uma luta do bem contra o mal. Rejeitam-se os debates, restrita toda discussão a dois lados: o meu certo, o seu errado. E outras visões são desconsideradas.


Esta postura condenatória e canceladora gera ódio. Admitiu Brecht: “Nós que desejávamos preparar o caminho para a gentileza, não pudemos ser gentis”. Assim erram muitos ideólogos, religiosos, ambientalistas, antirracistas e igualitaristas, numa ansiosa tentativa de mudar o mundo à sua maneira, e recebem um olhar de ressentimento e repulsa — bem diverso do pretendido.


Podemos ser condescendentes, mas não devemos tolerar esse progressismo, verdadeiro ou falso, em que intolerantes apóstolos de mundos diferentes acusem os que não obedeçam a seus pensamentos e gritos, como sendo anti-cristos, pervertidos, racistas, retrógrados ou reacionários.


Enfim, que recebam por palavras, votos e ações o nosso mais franco e agudo olhar, conclamando ao diálogo. Mesmo porque, fora dele, só nos restaria a guerra. E isto, a ninguém minimamente lúcido interessa.


*Médico

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